O mundo segundo a Monsanto (Le Monde Selon Monsanto)
A documentarista francesa Marie-Monique Robin, autora de O Mundo Segundo a Monsanto, dedicou três anos de sua vida para desvendar como uma indústria de químicos virou a maior companhia mundial de sementes geneticamente modificadas (transgénicas) e uma das empresas mais influentes do planeta, segundo a revista Business Week.

Marie trabalha há 25 anos com matérias investigativas e recebeu prémios como o Albert Londres, em 1995, concedido a um documentário sobre o tráfico internacional de órgãos.

Documentarista diz que maior empresa de sementes vende produtos tóxicos e ameaça cientistas

Em 2004, ela foi aclamada na Europa ao produzir o também premiado Esquadrões da Morte: a escola francesa, sobre a relação do governo francês com ditaduras da América Latina, nos anos 70. Para escrever a história da Monsanto, Marie analisou 500 mil páginas de documentos e viajou à Grã-Bretanha, Estados Unidos, Índia, México, Brasil, Vietname e Noruega. A escritora fala a ÉPOCA sobre o seu último livro. Procurada pela reportagem, a Monsanto afirma que “agricultores enxergam um benefício no cultivo de seus produtos”. (clique aqui para ler a resposta completa da empresa).

ENTREVISTA - MARIE-MONIQUE ROBINMarie-Monique Robin

QUEM É
Documentarista e jornalista francesa. Seu documentário que denuncia tácticas do serviço secreto francês e conexões com a repressão na América do Sul foi premiado pelo Senado da França.

O QUE FEZ
Já publicou livros denunciando uma rede internacional de tráfico de órgãos e a prática da tortura na Guerra da Argélia. O Mundo Segundo a Monsanto virou um documentário feito pela agência de cinema do Canadá. Para investigar a história, passou cinco anos levantando 500 mil páginas de documentos e viajando para Grã-Bretanha, Índia, México, Paraguai, Brasil, Vietname, Noruega e Itália

ÉPOCA – Existem outras companhias que também desenvolvem a biotecnologia e possuem patentes sobre sementes. Por que fazer um livro exclusivamente sobre a Monsanto?

Marie-Monique Robin - Há cinco anos, quando trabalhava em três documentários sobre biodiversidade e os organismos geneticamente modificados – e ainda acreditava que eles não teriam problemas – eu acabei viajando muito. Fui para Canadá, México, Argentina, Brasil e Índia, e em todas essas regiões eu sempre encontrava denúncias contra a Monsanto. Foi quando eu decidi buscar quem é essa companhia que agora é a maior produtora de biotecnologia e de alimentos geneticamente modificados do planeta.

ÉPOCA – E como seria esse mundo segundo a Monsanto que você descobriu?

Marie-Monique Robin - Cheio de pesticidas. Cerca de 70% dos alimentos geneticamente modificados são feitos para serem plantados com uso do agrotóxico Roundup. Ao comer uma transgênico, a pessoa está praticamente ingerindo Roundup. E, ao contrário do que propagou a Monsanto, esse pesticida não é bom ao meio ambiente e muito menos biodigradável. Ele é muito tóxico. Tenho certeza de que nos próximos cinco anos ele vai ser proibido no mundo, tal como aconteceu com outro produto da companhia, o DDT. O mundo segundo a Monsanto também é dominado por monoculturas. O que é um problema para a segurança alimentar, pois concentra a produção de alimentos na mão de poucos. Também considero arriscado deixar a alimentação mundial na mão de companhias que no passado produziam venenos e armas químicas como o agente laranja, despejado por tropas americanas no Vietname.

A Monsanto foi condenada a pagar US$ 700 milhões de dólares pela contaminação em Annistion, nos EUA

ÉPOCA – Os transgénicos são festejados por reduzirem o uso de pesticidas. Eles não teriam ao menos esse lado bom?

Marie-Monique Robin – Não, isso é mentira. Os transgênicos não reduzem o uso de agrotóxicos. Pelo contrário, eles geram ervas daninhas cada vez mais resistentes aos agrotóxicos. Os transgénicos são apenas uma forma da Monsanto controlar a produção de alimentos no mundo.

ÉPOCA – Como uma empresa pode ter todo esse poder? Isso não é teoria da conspiração?

Marie-Monique Robin – Não, de forma alguma. Tenho todas as denúncias que faço baseada em documentos e estudos científicos. Esse monopólio sobre a comida é um processo que acontece há um tempo. Ele começou com a permissão das patentes das sementes, na década de 80. Isso deu às empresas exclusividade sobre as sementes que seleccionam. Depois, vieram as chamadas plantas híbridas, que são estéreis e não produzem outras sementes. E por último, houve os royalities sobre os transgénicos. Agora as multinacionais podem cobrar para si, uma parte do lucro da colheita dos fazendeiros. Os transgénicos também são produzidos para reagirem com produtos específicos. No caso da Monsanto, 70% tem que ser plantado com o Roundup. O que obrigados o produtor a comprar sementes e agrotóxicos da mesma empresa.

ÉPOCA – Outras multinacionais produzem nesse mesmo padrão. O que comprova que a Monsanto quer controlar a comida do mundo?

Marie-Monique Robin - Após a autorização da venda dos transgénicos, a Monsanto começou a comprar todas as produtoras de sementes do mundo. Hoje, ela é a maior produtora de sementes do planeta. O resultado é que se um fazendeiro quiser mudar sua produção de transgénicos, e voltar ao tradicional, daqui a alguns anos, provavelmente ele não vai conseguir mais, pois só vão existir sementes transgénicas, e da Monsanto. Essa já é uma realidade com a soja dos Estados, e o trigo, na Índia. Nos EUA existem processos contra a Monsanto por monopólio, algo similar ao que aconteceu com a empresa de tecnologia Microsoft.

ÉPOCA – E qual seria interesse da empresa em controlar a produção de alimentos?

Marie-Monique Robin - Ele querem manter o agrotóxico Roundup no mercado, o produto que responde por 45% do lucro da companhia. Acho que se o Roundup for banido, como acredito que possa acontecer daqui a alguns anos, os transgénicos vão desaparecer. Sem o Roundup, não é interessante ter transgénico.

ÉPOCA – Por que culpar exclusivamente a Monsanto pelas armas químicas do Vietname? A opção por usar armas químicas foi do governo americano, e não das companhias. E outras empresas também venderam químicos ao governo dos EUA.

Marie-Monique Robin - A venda de agente laranja para o governo americano foi um dos negócios mais lucrativos da Monsanto. Mas hoje, nenhuma das empresas que lucraram com esse processo quer se responsabilizar. No Vietname, eu vi hospitais repletos de crianças deformadas, que nascem assim até hoje, porque o ambiente continua contaminado. Além do agente laranja, também usaram bifenil policlorado (um produto banido no mundo) nas misturas jogadas no país, e que a própria Monsanto sabia serem tóxicas desde 1937. Nem os soldados americanos foram alertados para os riscos. Como confiar que uma companhia com essa história domine a produção de alimentos?

ÉPOCA – Qual é a prova que a Monsanto sabia que estava vendendo algo tóxico?

Marie-Monique Robin - Em 2002, os moradores de Annistion, no EUA, ganharam o direito de uma indemnização de US$ 700 milhões de dólares da Monsanto. A empresa foi condenada por contaminar o meio ambiente e as pessoas da cidade com a sua fábrica química. Documentos mostram que desde 1937 a Monsanto sabiam dos riscos da toxidade dos PCBs.

ÉPOCA – Os produtos da Monsanto são aprovados por agências como a FDA, que regula alimentos e medicamentos nos EUA. Como dizer que a FDA e outras agências internacionais estão sendo enganadas?

Marie-Monique Robin - A Monsanto usa seu poder económico para pressionar governos e também infiltra seus ex-funcionários em cargos políticos. Esse processo é conhecido como portas giratórias. Tem casos célebres como a de Linda Fisher, que era funcionária da Agência Americana de Protecção Ambiental, e depois foi trabalhar na Monsanto, em 1995, e acabou retornando para EPA, em 2001.

ÉPOCA – Se a empresa possui toda essa blindagem, então não há solução?

Marie-Monique Robin - Acho que só os consumidores podem evitar um problema maior. Na Europa isso já começou. Ninguém quer consumir transgénicos que não foram testados. Estão todos assustados com a atual epidemia de câncer.

ÉPOCA – Mas qual a ligação do câncer com os transgénicos?

Marie-Monique Robin - Ainda estou pesquisando o assunto. O meu próximo livro vai ser exactamente sobre isso, a relação entre a comida que consumimos depois da Revolução Verde e o aumento de doenças como o câncer e o Parkison. O mais interessante, um processo que começou justamente entre os próprios agricultores, o mais expostos aos agrotóxicos.

Fonte: REVISTA ÉPOCA (Brasil) 08-01-2009 Juliana Arini

 
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