Tragédia humana da fome mundial passa ao lado dos políticos
A "tragédia humana" provocada pela fome em todo o mundo está a passar ao lado das preocupações dos políticos, acusou antes de ontem, em Roma, o diretor geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Até ao final do ano, a FAO vai organizar um programa televisivo em Portugal para recolha de fundos que serão destinados aos países lusófonos. Um dos objetivos da organização passa por recolher um milhão de assinaturas contra a fome.

Jacques Diouf, que intervinha na reunião da FAO em que foi lançada oficialmente uma campanha global contra a fome, salientou que o mundo gasta anualmente "mais de um trilião de dólares" no comércio de armas, mas que "cerca de um bilião de seres humanos passa fome todos os dias".

"Um homem com fome é um homem furioso", frisou Diouf, confessando que também ele está furioso com a insensibilidade dos políticos.

"Tragédia humana"

"Temos hoje entre nós, uma tragédia humana de grandes proporções - mas a maioria dos políticos vira a cabeça para o lado", acusou.

Para ilustrar as suas palavras, Jacques Diouf sublinhou que a cada seis segundos uma criança morre de doenças relacionadas com a fome.

"São mais de cinco milhões de crianças por ano", destacou.

A fome e a política

Interpelando os líderes mundiais, o diretor geral da FAO confessou: "Isto faz-me perder a cabeça. A verdade é que nos últimos 30 anos o que os líderes mundiais têm vindo a fazer de facto é menos do que nada".

Jacques Diouf lamentou, por outro lado, que a ajuda internacional à agricultura nos países em desenvolvimento, desde meados dos anos 80, em vez de aumentar os apoios destinados a ajudar as pessoas pobres na produção de alimentos, cortou-os quase para metade.

"Diminuiu cerca de 43 por cento", frisou.

I'm Mad as Hell Jacques Diouf anunciou ainda que em setembro próximo se desloca a Nova Iorque para participar na Cimeira das Nações Unidas sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, onde será feita a avaliação dos progressos alcançados para atingir os objetivos definidos pelas Nações Unidas em 2000.

Um mês depois, garantiu, entregará aos líderes mundiais a petição eletrónica que hoje começou a circular, a www.1billionhungry.org, para dizer, frisou, "que estamos fartos de viver num mundo faminto".

Recolha de fundos para CPLP

A FAO, através do seu escritório em Lisboa, vai organizar no final deste ano um programa televisivo para recolha de fundos que serão destinados aos países lusófonos, adiantou hoje uma responsável da organização.

Guilhermina Teixeira, responsável pelo escritório de informação do organismo das Nações Unidas em Lisboa, com sede nas instalações do Ministério dos Negócios Estrangeiros, explicou à Agência Lusa que a organização da recolha de fundos para os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) será "um dos grandes objetivos" para 2010.

A FAO

A responsável, que entre 1992 e 1996 esteve ao serviço da FAO na Guiné-Bissau, lembrou que a organização, com sede em Roma, desenvolve desde 1997 uma série de eventos com o objetivo de "sensibilizar o público sobre o problema da fome" nos países em desenvolvimento e recolher fundos destinados a financiar micro projetos que visam "ajudar as populações famintas a ajudarem-se a si mesmas".

"São iniciativas diversas para angariar fundos, através da dinâmica do TeleFood, para financiar pequenos projetos produtivos que não podem ultrapassar os dez mil dólares (cerca de 7780 euros). Destinam-se às comunidades vítimas de insegurança alimentar para que estas pessoas possam produzir alimentos, para lhes dar meios de subsistência", precisou.

Os fundos destes projetos - que são sustentáveis e estão ligados a outros projetos de desenvolvimento - são "usados exclusivamente para fornecer materiais como sementes, instrumentos, gado e equipamento não motorizado".

Programa português de televisão

"A ideia é fazer um grande programa televisivo para recolha de fundos também aqui em Portugal. O que se conseguir recolher será destinado aos Estados-membros da CPLP", adiantou a responsável, que também já esteve ao serviço da FAO na Colômbia e no Uruguai e participou em missões no Cambodja, Guatemala e Laos.

Guilhermina Teixeira lembrou que a FAO tem representações em todos os países da CPLP, exceto em Timor-Leste, que "embora já tenha projetos a funcionar, ainda não tem uma representação formal".

As representações acreditadas funcionam como "missões diplomáticas que se encarregam de promover e trabalhar para os projetos" que a organização da ONU vai desenvolvendo nos países lusófonos, destacando a "grande representação que existe no Brasil".

A FAO em Portugal

Em Portugal, explicou, existiu há alguns anos uma comissão nacional da FAO que entretanto foi extinta.

"Agora não é bem isso, é um escritório de informação como existe também em Madrid, Paris e Estocolmo", disse Guilhermina Teixeira, explicando que o objetivo do escritório que lidera passa pelo "contacto com os meios de comunicação em Portugal e também pela ligação com os países da CPLP", organização com a qual o escritório em Lisboa trabalha diretamente e em conjunto.

Assinaturas contra a fome

A recolha de um milhão de assinaturas contra a fome é o objetivo global traçado pela campanha "1billionhungry", que hoje foi lançada oficialmente pela FAO, em Roma, explicou à Lusa a representante deste organismo da ONU em Lisboa.

A campanha "1billionhungry" convida todas as pessoas a utilizarem um apito para "expressar o repúdio" pela existência, em pleno século XXI, de mais de mil milhões de seres humanos famintos no mundo.

Campanha mundial

Spots televisivos, cartazes e outdoors com imagens de crianças esqueléticas ou jovens famintos a alimentarem-se de lixo, acompanhadas pelo slogan "I'm Mad as Hell" ("Estou furioso"), fazem parte da iniciativa que tem por objetivo despertar um "movimento global" contra este flagelo e lutar para que todos tenham direito a uma alimentação adequada.

"O objetivo é sensibilizar as pessoas para expressarem, gritarem que estão furiosas com a situação, e, recolher, pelo menos, um milhão de assinaturas que serão entregues em setembro/outubro aos dirigentes mundiais numa sessão especial que vai decorrer nas Nações Unidas", explicou Guilhermina Teixeira à Agência Lusa.

Apito para "expressar o repúdio"

De acordo com a responsável do escritório de informação da FAO em Lisboa, ao utilizar o apito como principal símbolo da campanha e com a disponibilização de uma petição on-line, a campanha vai dar a todas as pessoas no mundo a oportunidade de expressarem o seu "sentimento de revolta e inconformidade" com a atual situação.

Para assinalar o lançamento da campanha, que "deverá durar vários meses", pessoas em cidades como Paris ou Nova Iorque "apitaram simbolicamente contra a fome", adiantou.

Até quando?

Reduzir a pobreza no mundo

Quando faltam menos de cinco anos até à meta temporal dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio da ONU, e numa altura em que o cumprimento do primeiro objetivo (reduzir para metade até 2015 a fome e pobreza no mundo) está longe de ser cumprido, Guilhermina Teixeira salientou a importância de desenvolver este tipo de campanhas.

"Se calhar até existe comida suficiente para toda a gente, o problema é o acesso aos alimentos. Muitos não têm acesso físico, outros não têm dinheiro suficiente para comprar comida, quando está disponível", lamentou.

"A luta é justamente para que essas pessoas possam produzir os seus próprios alimentos, e, no caso de não os poderem produzir, que recebem dinheiro suficiente para que possam ter acesso a uma alimentação sã", acrescentou.

Produção de alimentos

A responsável destacou também a necessidade de "incrementar a produção nos países onde a escassez de alimentos é mais grave", nomeadamente em África, Ásia e na América Latina, embora a pobreza "exista em toda a parte".

Inspirada no filme Network (1976) de Sidney Lumet, de onde foi retirado o slogan que dá mote ao "1billionhungry", a campanha conta com o apoio de várias figuras internacionais das artes e do desporto.

Entre as personalidades e entidades portuguesas que apoiam a campanha, Guilhermina Teixeira destacou o sportinguista João Moutinho, o antigo internacional Fernando Couto e a Liga Portuguesa de Futebol.

http://www.1billionhungry.org/

12-05-2010

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