Barroso património agrícola mundial
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura distingue a genuinidade do território com base na forma tradicional de trabalhar as terras, de tratar do gado e na entreajuda dos seus habitantes.

A aldeia de Vilarinho Seco, em Boticas, mantém a forma tradicional de trabalhar as terras, de tratar do gado e de entreajuda entre os seus habitantes - e foram estes factores que estiveram na base da classificação do Barroso como património agrícola mundial.

Esta é uma das muitas aldeias que se espalham pela região do Barroso, nos concelhos de Boticas e Montalegre, e que sustentam a genuinidade do território que esta quinta-feira recebeu em Roma, Itália, o certificado do reconhecimento público pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

No alto da serra, os campos estão nesta altura pintados do verde da erva que contrasta com o cinzento do granito em que se erguem os muros que separam as propriedades. Os animais pastam e os habitantes começam a preparar os terrenos para as sementeiras da época como o centeio, o milho e as batatas.

As casas de Vilarinho Seco são de granito e as cerca de 80 pessoas que ali vivem dedicam-se quase exclusivamente à agricultura. O toque de modernidade vê-se nos tractores e nos equipamentos que ajudam nos trabalhos que aqui sempre houve e que retiveram as pessoas na aldeia.

Para Pedro Pereira, 68 anos, a agricultura é uma forma de vida. Leva as vacas barrosãs para o lameiro, mostra a cozinha regional onde cura os presuntos e as chouriças e afirma com orgulho que esta é uma aldeia onde está tudo "ao antigo".

"Aqui nunca se pagou uma jeira, ajudamo-nos uns aos outros. Só que agora somos menos. Já somos poucos para a lavoura e a lavoura precisa de muita mão-de-obra", frisa.

A ajuda dos vizinhos chega quando é preciso, por exemplo, para tirar o estrume das cortes dos animais, na sementeira das batatas ou na ceifa dos cereais.

Albina Gomes, de 81 anos, regressa a casa depois de mondar "uma mão cheia de messe", que explica ser centeio verde para dar aos animais. "O meu emprego sempre foi este, nunca tive outro e é o que vou fazer enquanto puder", salientou.

Fernanda Claro, agricultora de 41 anos, acredita que a distinção pela FAO vá fazer "toda a diferença" para este território cada vez mais despovoado. "O espírito de entreajuda é o pilar dos trabalhos agrícolas", frisou.

O forno comunitário da aldeia coze uma vez por mês, ainda existem moinhos e os espigueiros são efectivamente usados para secar o milho que depois é guardado no telhão (armazém de pedra). A partir de 24 de Junho começa a ser feita a "torna água", ou seja, a divisão da água pelos lameiros de acordo com uma ordem previamente estabelecida pelos proprietários.

E foi este modo de vida e de trabalhar, transmitidos de geração para geração, que levou agora à classificação pela FAO.

Pedro Medeiros, técnico da Câmara de Boticas, acompanhou a comitiva da FAO nas duas visitas realizadas ao território e salientou que as informações recolhidas estavam precisamente relacionadas com as tradições que se mantêm, o comunitarismo, os meios de produção, os regadios e os produtos como o mel ou a carne.

"Queriam saber tudo o que tinha a ver com a agricultura. Procuravam a genuinidade dos nossos costumes e dos nossos produtos", frisou.

A distinção pela FAO é, na sua opinião, "uma mais-valia" porque vai ajudar a divulgar o território e atrair mais visitantes.

O Barroso é o primeiro território português a integrar o Sistema Importante do Património Agrícola Mundial (GIAHS) e um dos primeiros a ser aprovado na Europa.

O GIAHS é um processo promovido pela FAO que visa identificar e certificar, em todo o mundo, os sistemas de agricultura tradicional que, pelas suas características notáveis do ponto de vista da diversidade, saber tradicional, biodiversidade, paisagem, modelo socioeconómico e resiliência face às alterações humanas, climáticas e ambientais, possam contribuir para melhorar a gestão dos agro-sistemas modernos.

O processo de candidatura, patrocinado pelo Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, foi desenvolvido em parceria pela Associação de Desenvolvimento da Região do Alto Tâmega (ADRAT), as câmaras de Boticas e Montalegre, as Universidades do Minho e de Trás-os-Montes e Alto Douro, organizações e associações de produtores agrícolas, profissionais do sector e cidadãos da região.

Fonte: Público 19-04-2018


 

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