As micotoxinas são metabolitos secundários, altamente tóxicos, de baixo peso molecular, produzidos por fungos filamentosos. Estes fungos são capazes de contaminar praticamente todos os alimentos. Em condições ambientais adequadas a sua proliferação é rápida, ocorrendo produção de grandes quantidades de micotoxinas.

A micotoxicose, designação atribuída à intoxicação por micotoxinas, é uma patologia bastante semelhante à registada aquando da exposição a pesticidas ou resíduos de metais pesados.

Produzidas por várias espécies de fungos filamentosos, do género Aspergillus, as aflatoxinas são as micotoxinas mais abundantes e mais tóxicas que se conhecem. Estas são mutagénicas e teratogénicas para Homem e animais, estando associados ao consumo de alimentos contaminados. As consequências da intoxicação humana incluem toxicidade aguda, síndrome de Reye, hepatocarcinoma, necrose aguda, cirrose e encefalopatia. A aflatoxina B1 é reconhecida como o carcinogénio natural mais potente.

Como consequência da exposição contínua a pequenas doses de micotoxinas, os animais podem desenvolver patologias que se caracterizam pela cronicidade ou toxicoses difusas. Esta é a forma de contaminação mais comum, na qual os animais vão ingerindo diariamente baixas doses de contaminante. Por outro lado, a intoxicação por ingestão massiva de micotoxinas surge raramente.

A contaminação dos animais através da ração pode trazer graves consequências, uma vez que as micotoxinas passam para o leite, ovos e carne, colocando em risco todos os consumidores. Desta forma, o controlo da contaminação dos alimentos nas diferentes etapas (produção, armazenamento e processamento) torna-se essencial para evitar as consequências de uma eventual contaminação.

História

Em 1962, uma crise veterinária abateu-se sobre Londres, tendo-se registado a morte de 100 mil perus sem razão aparente. Apresentavam sinais de anorexia, apatia, e adinamia nas asas, morrendo no espaço de uma semana. Esta doença inexplicável ficou posteriormente conhecida por Doença X dos Perus.

Investigações subsequentes levaram ao isolamento de Aspergillus flavus nas rações, um fungo filamentoso produtor de grandes quantidades de aflatoxinas. A descoberta alertou os cientistas para a toxicidade dos metabolitos secundários produzidos por várias espécies de fungos filamentosos. A partir desta data, surge um período (1960-1975) caracterizado por um largo interesse na pesquisa e descoberta de novas micotoxinas.

Em 1974, na Índia, ocorre um dos maiores surtos de aflatoxicose em humanos. Foram afectadas 397 pessoas, apresentando sintomatologia febril, icterícia, dores, vómitos e hepatomegalia, tendo-se registado a morte de cerca de 100 indivíduos. O milho, componente maioritário da dieta, terá sido a principal fonte de contaminação.

Apesar da crescente preocupação em investigar e evitar estas intoxicações, são ainda registados actualmente surtos de aflatoxicose. Em Abril de 2004, foi registado um grande surto de aflatoxicose no Quénia, tendo-se registado 317 casos e 125 mortes.

Actualmente são realizados esforços de forma a prevenir surtos futuros. Para tal, é importante apostar na implementação de programas de segurança alimentar a longo prazo.

Ocorrência

As espécies de Aspergillus spp. são encontradas no solo como fungos saprófitos, podendo também surgir como contaminantes da vegetação e de alimentos armazenados. Entre as várias micotoxinas por elas produzidas citam-se: patulina, citrinina, citreovindina, ácido penicilico, xantomeganina, ocratoxina, ácido ciclopiazónico e aflatoxinas.

A disseminação fúngica ocorre facilmente através da produção de esporos assexuados muito resistentes a condições adversas – conídeos – sendo esta propagação difícil de controlar. As principais espécies de Aspergillus spp., que atentam contra a saúde pública causando grande preocupação económica e ambiental são: Aspergillus flavus, A. parasiticus, A. fumigatus e A. ochraceus.

Os materiais vegetais podem sofrer contaminação desde que são cultivados até ao momento da colheita por fungos filamentosos, produtores de micotoxinas. São principais alvos de contaminação por Aspergillus spp, culturas de trigo, milho, arroz, amendoins, sementes de algodão, sorgo, cevada, soja, mandioca.

A susceptibilidade das colheitas no que respeita à contaminação por estes fungos varia de acordo com diferentes parâmetros (espécie vegetal, espécie contaminante, temperatura ambiental, teor em água, entre outros). As temperaturas mínima, óptima, e máxima, para a produção de aflatoxinas, são respectivamente 12ºC, 27ºC e 40-42ºC. Caso a contaminação ocorra após a colheita, as condições de armazenamento desempenham um papel fundamental, dependendo destas o desenvolvimento fúngico e a produção de micotoxinas.

Têm sido registados surtos de aflatoxicose em humanos em diferentes partes do mundo, especialmente em países desenvolvidos.

Estudos apontam para a ocorrência de sinergismo no aparecimento de hepatocarcinomas em indivíduos portadores do vírus da Hepatite B e concomitantemente sujeitos à exposição de aflatoxinas.

Nas sociedades desenvolvidas o risco de micotoxicose é baixo, focando-se a principal preocupação no potencial carcinogénico apresentado por estes compostos, quando ingeridos continuamente em baixas doses. Actualmente existe um crescente interesse nesta temática, pela gravidade das consequências para a saúde pública.

Toxicidade

As aflatoxinas estão, na maior parte das situações, presentes em concentrações muito baixas (ng/g) nos alimentos, não alterando as propriedades organolépticas, nomeadamente o sabor e odor. Não sendo detectadas pelos consumidores, estas podem ser ingeridas de forma sistemática provocando situações de micotoxicose crónica. Já as micotoxicoses agudas ocorrem quando as quantidades ingeridas ultrapassam concentrações na ordem dos mg/g.

A severidade demonstrada varia de acordo com o tipo de aflatoxinas presente. Estudos demonstraram que a toxicidade destas segue a ordem: AFB1 > AFG1 > AFB2 > AFG2.

A aflatoxina B1 é o mais potente hepatocarcinogénio conhecido em várias espécies, nomeadamente mamíferos, aves e peixes. Potencialmente perigosas são também as aflatoxinas B2, G1 e G2, que podem ser encontradas em simultâneo na mesma cultura em diferentes proporções.

O principal órgão afectado é o fígado, embora o local dos efeitos hepáticos varie com a espécie afectada. Estão ainda descritos efeitos tóxicos nos pulmões, miocárdio e rins, podendo ocorrer acumulação de aflatoxinas no cérebro.

Para que se verifiquem efeitos carcinogénicos, é necessário que ocorra, após a ingestão, bioactivação por metabolização. A biotransformação das aflatoxinas passa por reacções de fase I e II, algumas das quais contribuem para o aumento da toxicidade por bioactivação, enquanto outras levam à sua redução. A epoxidação na dupla ligação 8-9 traduz-se numa toxicidade aguda e crónica manifestada pelas aflatoxinas.

Quando as aflatoxinas B1 e B2 são ingeridas por gado produtor de leite (bovino, caprino, ovino, entre outros), uma porção é hidroxilada e excretada no leite sob a forma de aflatoxina M1 e M2, compostos com menor toxicidade, mas não negligenciáveis devido ao grande incentivo do consumo de leite.

As espécies animais apresentam sensibilidade diferente no que respeita à toxicidade aguda e crónica das aflatoxinas. No entanto, para a maioria das espécies, os valores de LD50 estão situados no intervalo de 0,5 a 10 mg/kg de peso corporal.

Devido à sua toxicidade, foram estabelecidos limites em diversos países para a presença de aflatoxinas nos alimentos.

Não existe tratamento específico para a aflatoxicose. No entanto, as pessoas infectadas e que conseguem recuperar totalmente, normalmente não sofrem efeitos a longo prazo.

A aflatoxina B1 é genotóxica formando aductos com o DNA, em humanos, animais, com consequentes anomalias cromossomais. Em culturas celulares humanas e de animais, produz danos no DNA, mutações de genes e anomalias cromossomais. É hepatotóxica em humanos e animais; e nefrotóxica e imunossupressiva nos animais.

Não existem estudos extensivos relativos à aflatoxina B2. No entanto, sabe-se que esta, quando administrada em ratos, forma in vivo ligação com o DNA, após conversão metabólica em aflatoxina B1.

A aflatoxina G1 liga-se ao DNA, produzindo aberrações cromossómicas quando administrada a roedores. Em culturas celulares humanas e animais, induz danos no DNA e anomalias cromossómicas. Embora a aflatoxina G1 e M1 estejam pouco estudadas, aparentam-se toxicologicamente com a aflatoxina B1. São no entanto consideradas hepatocarcinogéneos menos potentes, apresentando-se mais nefrocarcinogeneas que a aflatoxina B1.

Existem poucos estudos genéticos publicados sobre as aflatoxinas G2.

Controlo

A contaminação alimentar por aflatoxinas, causadora de um impacto económico profundo, tem vindo a motivar o desenvolvimento e aperfeiçoamento de tecnologias que visam a monitorização destes compostos.

As aflatoxinas são furanocumarinas complexas. Quando expostas à luz ultravioleta, a elevados comprimentos de onda, emitem intensa fluorescência. Esta é uma propriedade utilizada na sua identificação e quantificação quando presentes nos alimentos. As aflatoxinas B1 e B2 produzem fluorescência azul (Blue), ao passo que as aflatoxinas G1 e G2 produzem fluorescência verde (Green).

Os métodos habitualmente utilizados na quantificação de aflatoxinas podem ser divididos em duas categorias: métodos cromatográficos e ensaios imunoenzimáticos (ELISA - enzyme-linked immunosorbent assays).

Deve-se salientar que as técnicas normalmente utilizadas no processamento alimentar são insuficientes para a remoção destes compostos dos produtos agrícolas sem prejuízo dos seus valores nutricionais. As aflatoxinas demonstram pequena ou nenhuma decomposição quando sujeitas a temperaturas acima de 100ºC. Como consequência, não são eliminadas nas condições normais de processamento dos alimentos (cozimento, pasteurização, torrefacção, entre outros).

Assim, é justificada a criação de um mecanismo de controlo que se baseie num modelo de acção proactivo e não reactivo. Surge assim, de acordo com esta perspectiva, o controlo da contaminação por aflatoxinas em produtos alimentares através da implementação de protocolos de HACCP (Hazard Analysis Critical Control Point). Trata-se de um procedimento simples, desenhado originalmente pela NASA em colaboração com a companhia Pillsbury e exército norte-americano, com o objectivo de produzir “comida totalmente segura”, que minimizasse o risco de intoxicação dos astronautas. A eficácia e facilidade de implementação do sistema desenvolvido foi tal, que rapidamente passou a ser aplicado pelas indústrias de processamento alimentar.

Neste modelo, a análise do controlo dos pontos críticos, susceptíveis de constituir perigo, é realizada através do estudo e planeamento cuidadoso de cada uma das etapas do processamento alimentar, regendo-se pelos sete princípios do HACCP.

A determinação do grau de exposição Humana às micotoxinas reveste-se de grande interesse na protecção da saúde pública. Métodos de biomonitorização utilizando marcadores específicos, presentes em diferentes fluidos biológicos como urina, sangue e leite, são utilizados na avaliação do grau de exposição individual. Com o conhecimento destes parâmetros, pode predizer-se o risco de desenvolvimento de cancro e outras doenças. Estes marcadores específicos baseiam-se no conhecimento do metabolismo e capacidade de formação de complexos moleculares que estas micotoxinas apresentam.

 

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