Das muitas batalhas que o governo do Japão está travando desde o catastrófico 11 de março, pelo menos uma delas ainda não produziu grandes vitórias: a comida japonesa - reverenciada em várias partes do mundo - continua sob suspeita, apesar dos esforços oficiais para garantir sua segurança.
Dois meses depois do terremoto que provocou o maior acidente nuclear desde Chernobyl, 40 países mantêm restrições aos alimentos que saem do Japão, por temer a contaminação radioativa de Fukushima.
No Brasil, continua valendo determinação da Anvisa e do Ministério da Agricultura exigindo declaração das autoridades japonesas de que eles não estão contaminados. O governo japonês, por sua vez, afirma que os produtos nacionais estão sendo rigorosamente inspecionados e assegura que o que chega ao mercado não representa riscos, mas nem todos acreditam. O impacto psicológico pode ter mais força que dados científicos.
O medo parece ser maior no exterior, principalmente nos mercados asiáticos, onde restaurantes de comida japonesa - antes bastante valorizada - estão fechando ou adaptando seus cardápios para evitar a etiqueta "made in Japan". Mas também existe desconfiança entre os japoneses, embora os produtos que registaram índices de radiação acima do recomendável tenham sido banidos. Basta observar o comportamento do público nos supermercados de Tóquio: se a embalagem indicar a procedência da região de Tohoku - zona afetada pelo acidente nuclear - o produto fica na prateleira, mesmo com o selo de inspeção.
Nada está sendo plantado ao redor da central nuclear, agora cercada por uma terra de ninguém num raio de 30 quilómetros, de onde cem mil pessoas foram evacuadas. A pesca na costa também está proibida e, de qualquer maneira, a indústria pesqueira no norte foi arrasada pelo tsunami. Mas o pânico acabou contaminando um ícone da gastronomia japonesa: muita gente tem medo de comer sushi. O temor não faz sentido, diz o especialista em radioatividade Hideaki Karaki, da Universidade de Tóquio.
- Detectamos contaminação por césio e iodo em peixes na costa de Fukushima, mas desde Abril esses índices estão caindo, e o problema foi registado apenas numa espécie pequena (kanago). Estamos acompanhando com cuidado a situação, mas, por enquanto, a contaminação de peixes e frutos do mar não é uma preocupação - diz Karaki, membro da Comissão de Segurança Alimentar, que dá consultoria ao governo japonês.
O chef Shinichiro Takagi, dono do Zeniya, um prestigiado restaurante de Kanazawa, bem longe de Fukushima, no lado oposto do país, confirma que o movimento caiu 25% desde o acidente. Todas as reservas em nome de clientes estrangeiros foram canceladas. O Zenya serve comida kaiseki - um tipo de refeição nobre, que consiste numa série de pratos à base de ingredientes regionais e sazonais.
- Fui contratado para preparar um banquete oficial em Singapura em Abril e me pediram para não usar nenhum tipo de ingrediente japonês. Lamento pelos produtores locais, mas temos que nos adaptar. Podemos mostrar que nossa culinária pode ser feita com ingredientes que não são necessariamente produzidos no Japão, por enquanto - acredita Takagi, que participou de um debate sobre a segurança da comida japonesa em Tóquio.
Governo reclama de medidas dos importadores
O governo do primeiro-ministro Naoto Kan não esconde que acha excessivas as medidas adotadas contra os produtos nacionais por importadores e vem reforçando a campanha para estimular pelo menos o consumo interno. O assessor de relações públicas do premier, Noriyuki Shikata, disse que os restaurantes dos ministérios adotaram cardápios à base de ingredientes da região de Tohoku, que inclui várias províncias além de Fukushima.
- A comida japonesa é uma das mais seguras do mundo. Antes do desastre, sempre recebíamos reclamações de autoridades americanas, por exemplo, sobre o excesso de medidas de segurança em relação aos alimentos importados pelo Japão. Acredito num tripé que garante a segurança alimentar neste país: os consumidores japoneses são muito exigentes, os distribuidores baseiam sua reputação em qualidade e o controle oficial é rigoroso. Comida contaminada não seria consumida ou vendida num ambiente assim - discursa Shikata, informando que, nos fins de semana, leva a família para comer em restaurantes que estejam usando ingredientes de Tohoku. - Não estou incentivando ninguém a comer comida suspeita. Mas acredito que o que chegou ao mercado é seguro.
Embora não tenha nenhuma relação com o que ocorreu em Fukushima, um escândalo que monopolizou as manchetes locais nos últimos dias ajudou a aumentar a desconfiança em relação à segurança alimentar do que é consumido pelos japoneses. Quatro pessoas, entre elas duas crianças, morreram e mais de 70 foram internadas depois de comer carne contaminada com a bactéria Escherichia coli. Todas as vítimas consumiram o produto numa rede de restaurantes que serve um prato ao estilo coreano, com carne crua. Assim como os diretores da Tepco, a empresa que controla a usina de Fukushima, os executivos da rede se ajoelharam e pediram desculpas à população, mas aquilo que os japoneses estão buscando num momento de crise - credibilidade - foi, mais uma vez, por água abaixo.
Fonte Globo 11-05-2011
No Brasil, continua valendo determinação da Anvisa e do Ministério da Agricultura exigindo declaração das autoridades japonesas de que eles não estão contaminados. O governo japonês, por sua vez, afirma que os produtos nacionais estão sendo rigorosamente inspecionados e assegura que o que chega ao mercado não representa riscos, mas nem todos acreditam. O impacto psicológico pode ter mais força que dados científicos.
O medo parece ser maior no exterior, principalmente nos mercados asiáticos, onde restaurantes de comida japonesa - antes bastante valorizada - estão fechando ou adaptando seus cardápios para evitar a etiqueta "made in Japan". Mas também existe desconfiança entre os japoneses, embora os produtos que registaram índices de radiação acima do recomendável tenham sido banidos. Basta observar o comportamento do público nos supermercados de Tóquio: se a embalagem indicar a procedência da região de Tohoku - zona afetada pelo acidente nuclear - o produto fica na prateleira, mesmo com o selo de inspeção.
Nada está sendo plantado ao redor da central nuclear, agora cercada por uma terra de ninguém num raio de 30 quilómetros, de onde cem mil pessoas foram evacuadas. A pesca na costa também está proibida e, de qualquer maneira, a indústria pesqueira no norte foi arrasada pelo tsunami. Mas o pânico acabou contaminando um ícone da gastronomia japonesa: muita gente tem medo de comer sushi. O temor não faz sentido, diz o especialista em radioatividade Hideaki Karaki, da Universidade de Tóquio.
- Detectamos contaminação por césio e iodo em peixes na costa de Fukushima, mas desde Abril esses índices estão caindo, e o problema foi registado apenas numa espécie pequena (kanago). Estamos acompanhando com cuidado a situação, mas, por enquanto, a contaminação de peixes e frutos do mar não é uma preocupação - diz Karaki, membro da Comissão de Segurança Alimentar, que dá consultoria ao governo japonês.
O chef Shinichiro Takagi, dono do Zeniya, um prestigiado restaurante de Kanazawa, bem longe de Fukushima, no lado oposto do país, confirma que o movimento caiu 25% desde o acidente. Todas as reservas em nome de clientes estrangeiros foram canceladas. O Zenya serve comida kaiseki - um tipo de refeição nobre, que consiste numa série de pratos à base de ingredientes regionais e sazonais.
- Fui contratado para preparar um banquete oficial em Singapura em Abril e me pediram para não usar nenhum tipo de ingrediente japonês. Lamento pelos produtores locais, mas temos que nos adaptar. Podemos mostrar que nossa culinária pode ser feita com ingredientes que não são necessariamente produzidos no Japão, por enquanto - acredita Takagi, que participou de um debate sobre a segurança da comida japonesa em Tóquio.
Governo reclama de medidas dos importadores
O governo do primeiro-ministro Naoto Kan não esconde que acha excessivas as medidas adotadas contra os produtos nacionais por importadores e vem reforçando a campanha para estimular pelo menos o consumo interno. O assessor de relações públicas do premier, Noriyuki Shikata, disse que os restaurantes dos ministérios adotaram cardápios à base de ingredientes da região de Tohoku, que inclui várias províncias além de Fukushima.
- A comida japonesa é uma das mais seguras do mundo. Antes do desastre, sempre recebíamos reclamações de autoridades americanas, por exemplo, sobre o excesso de medidas de segurança em relação aos alimentos importados pelo Japão. Acredito num tripé que garante a segurança alimentar neste país: os consumidores japoneses são muito exigentes, os distribuidores baseiam sua reputação em qualidade e o controle oficial é rigoroso. Comida contaminada não seria consumida ou vendida num ambiente assim - discursa Shikata, informando que, nos fins de semana, leva a família para comer em restaurantes que estejam usando ingredientes de Tohoku. - Não estou incentivando ninguém a comer comida suspeita. Mas acredito que o que chegou ao mercado é seguro.
Embora não tenha nenhuma relação com o que ocorreu em Fukushima, um escândalo que monopolizou as manchetes locais nos últimos dias ajudou a aumentar a desconfiança em relação à segurança alimentar do que é consumido pelos japoneses. Quatro pessoas, entre elas duas crianças, morreram e mais de 70 foram internadas depois de comer carne contaminada com a bactéria Escherichia coli. Todas as vítimas consumiram o produto numa rede de restaurantes que serve um prato ao estilo coreano, com carne crua. Assim como os diretores da Tepco, a empresa que controla a usina de Fukushima, os executivos da rede se ajoelharam e pediram desculpas à população, mas aquilo que os japoneses estão buscando num momento de crise - credibilidade - foi, mais uma vez, por água abaixo.
Fonte Globo 11-05-2011
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