É considerado um alimento transversal e nutricionalmente muito rico, fonte de múltiplas fibras, vitaminas e minerais.
Porém, também há quem o evite pela convicção de que engorda ou veja no sal um ingrediente prejudicial. Mas a verdade é que em Portugal o pão nunca conheceu tantas formas e características nem tantos locais de venda como hoje. No Congresso da Panificação Tradicional Portuguesa, realizado nesta semana, o pão foi o centro das atenções.
Farinha, água, sal e algum tempo de fermentação. Parece simples, mas o pão é um alimento complexo e variado. Há quem o evite pela convicção de que engorda ou veja no sal um ingrediente prejudicial, mas também quem reconheça neste alimento um valor nutricional fundamental que ajuda a prevenir doenças que afetam uma parte substancial da população.
Filipe Melo mete as mãos na massa há mais de três anos para levar à mesa dos consumidores um pão mais próximo das origens. Ele e o sócio Paulo Ribeiro são os donos da padaria Pão Nosso, que antes de ser uma loja física, na zona do Bonfim, no Porto, já satisfazia pedidos por encomenda. A base de clientes cresceu e hoje ele produz cerca de 500 quilos por semana para abastecer não só a clientela da pequena padaria, mas também pontos de retalho no El Corte Inglés ou nas lojas Celeiro.
"Não estamos no mercado global deles, mas sim num nicho que eles criam dentro das próprias superfícies. Colocado nas prateleiras de um supermercado sem qualquer distinção o nosso produto seria apenas mais um no meio da parafernália e não conseguiríamos sobreviver, porque aí a competição é pelo preço", diz ao DN Filipe Melo, recordando a evolução do seu negócio: "Quando nos iniciámos andávamos a nadar sozinhos. Hoje em dia já há muita informação e o consumidor já conhece os diferentes tipos de pão."
Por sua vez, o sócio, Paulo Ribeiro, salienta as vantagens em termos de valor nutricional do produto que vendem. "Nós estamos noutro universo do pão que se produz de forma industrializada. Trabalhamos só com produtos biológicos e produzimos usando uma técnica muito antiga, que se chama de massa azeda. Ou seja, não usamos fermentos industriais. O processo de fermentação dura cerca de três dias, o que vai tornar o pão nutricionalmente muito mais rico, porque durante o processo se consomem parte dos açúcares que existem naturalmente na farinha. Porque se produzem os micro-organismos, leveduras e bactérias, substâncias que nos são benéficas; os chamados probióticos", explica. Nesta padaria produzem-se 16 tipos de pão, desde variedades feitas com trigos antigos - como kamut, espelta ou einkorn - a misturas de trigo e centeio, até pães com ingredientes sem glúten, como trigo-sarraceno, farinha de arroz, avelã, batata-doce ou cenoura.
Tudo produzido de uma forma artesanal, bem diferente do que se vende e consome nas grandes superfícies e nos designados "pães-quentes", que desde a década de 1980 vieram alterar substancialmente o consumo em Portugal.
Este regresso ao consumo de um produto mais tradicional é uma das preocupações de Pedro Graça, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, que esteve presente no Congresso da Panificação Tradicional Portuguesa, que decorreu nesta semana na Maia, e ao DN salienta a ideia de que o "pão deixou de ser um inimigo para passar a ser um aliado da saúde". Isto apesar de o consumo do pão ter vindo a diminuir. No último estudo sobre o consumo de pão cofinanciado pela Bread-Initiative, uma aliança informal de empresas de moagem de farinha, padeiros artesanais e industriais, fabricantes de ingredientes de padaria e de levedura - revelou que em 2016 o consumo de pão caiu para 63 quilos per capita, quando era de de 67 quilos em 2004.
"Do ponto de vista nutricional, o pão não é só energia, mas uma fonte muito importante de nutrientes fundamentais: vitaminas, minerais, fibras, proteínas. O pão mais próximo da natureza, ou seja, do grão natural - mais escuro, menos peneirado - fornece ainda mais nutrientes e tem elevadas quantidades de fibra que reduzem o risco de doenças como diabetes de tipo 2, doenças cardiovasculares ou cancro do cólon."
Pedro Graça salienta também a redução de sal que foi sendo feita pela indústria da panificação - desde 2010 e voltará a decrescer até 2021 - como um caso de boa prática, que pode servir de exemplo até internacionalmente: "Nos últimos dez anos tem existido uma consciência aumentada da importância de reduzir o sal por questões de saúde. E basta reduzir uma pequena quantidade de sal no pão para termos grandes ganhos para toda a população."
Esta perspetiva é corroborada por Helena Real, secretária-geral da Associação Portuguesa de Nutrição, também presente no congresso do pão, que ao DN salienta que a redução do sal no pão "foi uma aposta ganha".
"O pão é um alimento extraordinário para ser incluído ao longo do dia, todos os dias. Se assim é, é importante que seja o mais equilibrado possível", afirma a nutricionista, defendendo que há outros mitos ligados ao pão que limitam o consumo: "Por exemplo? O de que o pão engorda. Quando vemos o valor energético do pão não é tão elevado como isso. O pão em si é um alimento que, consumido em moderação, não leva ao aumento de peso."
Helena Real afirma que a quantidade de pão por dia deve ser adaptada à idade, ao peso e à atividade física da pessoa, mas que "um pão ao pequeno-almoço, um ao almoço e outro ao lanche não é demasiado".
Pedro Graça acrescenta ainda que o pão pode ser também um contributo para a biodiversidade. "Se eu comprar pão de trigo, centeio, milho, de variedades locais estou a contribuir para que elas continuem a existir, estando a promover não só o emprego local, mas também a biodiversidade dessas espécies nos nossos campos", afirma, concluindo: "O consumidor, quando mete o pão à boca, pode dar um contributo muito importante para a proteção do ambiente. Enquanto consumidores de pão também somos protetores da natureza."
A qualificação com a atribuição de um selo de origem é fundamental para que os consumidores cada vez mais valorizem determinado produto. Esta é a missão de Ana Soeiro, diretora executiva da Qualifica/oriGIn Portugal e vice--presidente para a Europa do movimento oriGIn, entidade responsável por atribuir na União Europeia a denominação de origem ou geográfica a produtos alimentares.
"A qualidade de determinado produto está ligada ao local onde é produzido e isso tem de ser valorizado. Por exemplo, um queijo da serra da Estrela não é igual ao de Serpa. Isso acontece por algum motivo. Nesse sentido, estamos também a começar no setor do pão", explica ao DN a responsável.
O folar de Valpaços é um produto a que já foi atribuído o selo de qualidade, o folar de Chaves está também em vias de o ser. Seguir-se-ão a bola doce mirandesa, o bolo do caco da Madeira e o canoco de Ul. Em breve, arrancará também o processo de qualificação do pão de Mafra. "O consumidor é sensível e vê o símbolo europeu e percebe que está perante um produto que deve ser especial de alguma forma", diz Ana Soeiro.
O próximo passo da Qualifica é o desenvolvimento de uma aplicação para aproximar o consumidor dos produtos tradicionais.
O site ptpt.pt, que em breve poderá ser descarregado como app para telemóvel, pretende disponibilizar de forma simples informação necessária para o consumidor sobre produtos regionais.
"Temos desde a descrição e a história do produto até ao local onde pode comprar. Já temos cerca de 600 produtos registados, mas esse é um trabalho que nunca está acabado", afirma a responsável pela Qualifica, acrescentando que vários países europeus, como Itália, França e Alemanha, têm adotado o selo europeu da oriGIn como forma de valorização dos produtos regionais junto dos consumidores.
Fonte: DN 04-04-2018
Farinha, água, sal e algum tempo de fermentação. Parece simples, mas o pão é um alimento complexo e variado. Há quem o evite pela convicção de que engorda ou veja no sal um ingrediente prejudicial, mas também quem reconheça neste alimento um valor nutricional fundamental que ajuda a prevenir doenças que afetam uma parte substancial da população.
Filipe Melo mete as mãos na massa há mais de três anos para levar à mesa dos consumidores um pão mais próximo das origens. Ele e o sócio Paulo Ribeiro são os donos da padaria Pão Nosso, que antes de ser uma loja física, na zona do Bonfim, no Porto, já satisfazia pedidos por encomenda. A base de clientes cresceu e hoje ele produz cerca de 500 quilos por semana para abastecer não só a clientela da pequena padaria, mas também pontos de retalho no El Corte Inglés ou nas lojas Celeiro.
"Não estamos no mercado global deles, mas sim num nicho que eles criam dentro das próprias superfícies. Colocado nas prateleiras de um supermercado sem qualquer distinção o nosso produto seria apenas mais um no meio da parafernália e não conseguiríamos sobreviver, porque aí a competição é pelo preço", diz ao DN Filipe Melo, recordando a evolução do seu negócio: "Quando nos iniciámos andávamos a nadar sozinhos. Hoje em dia já há muita informação e o consumidor já conhece os diferentes tipos de pão."
Por sua vez, o sócio, Paulo Ribeiro, salienta as vantagens em termos de valor nutricional do produto que vendem. "Nós estamos noutro universo do pão que se produz de forma industrializada. Trabalhamos só com produtos biológicos e produzimos usando uma técnica muito antiga, que se chama de massa azeda. Ou seja, não usamos fermentos industriais. O processo de fermentação dura cerca de três dias, o que vai tornar o pão nutricionalmente muito mais rico, porque durante o processo se consomem parte dos açúcares que existem naturalmente na farinha. Porque se produzem os micro-organismos, leveduras e bactérias, substâncias que nos são benéficas; os chamados probióticos", explica. Nesta padaria produzem-se 16 tipos de pão, desde variedades feitas com trigos antigos - como kamut, espelta ou einkorn - a misturas de trigo e centeio, até pães com ingredientes sem glúten, como trigo-sarraceno, farinha de arroz, avelã, batata-doce ou cenoura.
Tudo produzido de uma forma artesanal, bem diferente do que se vende e consome nas grandes superfícies e nos designados "pães-quentes", que desde a década de 1980 vieram alterar substancialmente o consumo em Portugal.
Quanto mais escuro, mais saudável
Este regresso ao consumo de um produto mais tradicional é uma das preocupações de Pedro Graça, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, que esteve presente no Congresso da Panificação Tradicional Portuguesa, que decorreu nesta semana na Maia, e ao DN salienta a ideia de que o "pão deixou de ser um inimigo para passar a ser um aliado da saúde". Isto apesar de o consumo do pão ter vindo a diminuir. No último estudo sobre o consumo de pão cofinanciado pela Bread-Initiative, uma aliança informal de empresas de moagem de farinha, padeiros artesanais e industriais, fabricantes de ingredientes de padaria e de levedura - revelou que em 2016 o consumo de pão caiu para 63 quilos per capita, quando era de de 67 quilos em 2004.
"Do ponto de vista nutricional, o pão não é só energia, mas uma fonte muito importante de nutrientes fundamentais: vitaminas, minerais, fibras, proteínas. O pão mais próximo da natureza, ou seja, do grão natural - mais escuro, menos peneirado - fornece ainda mais nutrientes e tem elevadas quantidades de fibra que reduzem o risco de doenças como diabetes de tipo 2, doenças cardiovasculares ou cancro do cólon."
Pedro Graça salienta também a redução de sal que foi sendo feita pela indústria da panificação - desde 2010 e voltará a decrescer até 2021 - como um caso de boa prática, que pode servir de exemplo até internacionalmente: "Nos últimos dez anos tem existido uma consciência aumentada da importância de reduzir o sal por questões de saúde. E basta reduzir uma pequena quantidade de sal no pão para termos grandes ganhos para toda a população."
Esta perspetiva é corroborada por Helena Real, secretária-geral da Associação Portuguesa de Nutrição, também presente no congresso do pão, que ao DN salienta que a redução do sal no pão "foi uma aposta ganha".
"O pão é um alimento extraordinário para ser incluído ao longo do dia, todos os dias. Se assim é, é importante que seja o mais equilibrado possível", afirma a nutricionista, defendendo que há outros mitos ligados ao pão que limitam o consumo: "Por exemplo? O de que o pão engorda. Quando vemos o valor energético do pão não é tão elevado como isso. O pão em si é um alimento que, consumido em moderação, não leva ao aumento de peso."
Helena Real afirma que a quantidade de pão por dia deve ser adaptada à idade, ao peso e à atividade física da pessoa, mas que "um pão ao pequeno-almoço, um ao almoço e outro ao lanche não é demasiado".
Pedro Graça acrescenta ainda que o pão pode ser também um contributo para a biodiversidade. "Se eu comprar pão de trigo, centeio, milho, de variedades locais estou a contribuir para que elas continuem a existir, estando a promover não só o emprego local, mas também a biodiversidade dessas espécies nos nossos campos", afirma, concluindo: "O consumidor, quando mete o pão à boca, pode dar um contributo muito importante para a proteção do ambiente. Enquanto consumidores de pão também somos protetores da natureza."
Denominação de origem valoriza produto junto do consumidor
A qualificação com a atribuição de um selo de origem é fundamental para que os consumidores cada vez mais valorizem determinado produto. Esta é a missão de Ana Soeiro, diretora executiva da Qualifica/oriGIn Portugal e vice--presidente para a Europa do movimento oriGIn, entidade responsável por atribuir na União Europeia a denominação de origem ou geográfica a produtos alimentares.
"A qualidade de determinado produto está ligada ao local onde é produzido e isso tem de ser valorizado. Por exemplo, um queijo da serra da Estrela não é igual ao de Serpa. Isso acontece por algum motivo. Nesse sentido, estamos também a começar no setor do pão", explica ao DN a responsável.
O folar de Valpaços é um produto a que já foi atribuído o selo de qualidade, o folar de Chaves está também em vias de o ser. Seguir-se-ão a bola doce mirandesa, o bolo do caco da Madeira e o canoco de Ul. Em breve, arrancará também o processo de qualificação do pão de Mafra. "O consumidor é sensível e vê o símbolo europeu e percebe que está perante um produto que deve ser especial de alguma forma", diz Ana Soeiro.
O próximo passo da Qualifica é o desenvolvimento de uma aplicação para aproximar o consumidor dos produtos tradicionais.
O site ptpt.pt, que em breve poderá ser descarregado como app para telemóvel, pretende disponibilizar de forma simples informação necessária para o consumidor sobre produtos regionais.
"Temos desde a descrição e a história do produto até ao local onde pode comprar. Já temos cerca de 600 produtos registados, mas esse é um trabalho que nunca está acabado", afirma a responsável pela Qualifica, acrescentando que vários países europeus, como Itália, França e Alemanha, têm adotado o selo europeu da oriGIn como forma de valorização dos produtos regionais junto dos consumidores.
Fonte: DN 04-04-2018
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